Anvisa quer favorecer a produção brasileira de produtos à base da planta com aprovação de segurança e qualidade certificados pelo órgão
O cultivo de maconha para fins exclusivamente medicinais ainda é motivo de debates no Brasil. O tema, além de polêmico, esbarra também na questão da regulamentação. Isso porque o canabidiol - derivado da maconha - é uma medicação que não pode ser comprada em farmácias brasileiras. O paciente que tiver a prescrição médica ainda precisa submeter seu pedido à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em meio à essa discussão, a Anvisa abriu - nesta sexta (21) - uma consulta pública para tratar justamente da regulamentação, do cultivo e da produção da Cannabis para o uso medicinal no Brasil. A consulta ficará disponível até o dia 18 de agosto para receber contribuições da sociedade.
O objetivo, segundo a agência, é favorecer a produção brasileira de produtos à base da planta com aprovação de segurança e qualidade certificados pelo órgão.
Problemática
Quando os tratamentos convencionais não têm efeitos sobre os pacientes, o uso do derivado da maconha pode ser indicado para quem convive com epilepsia, Alzheimer, Parkinson e até em alguns tipos de câncer.
As discussões sobre o tratamento com derivados de maconha, no entanto, pode não corresponder à realidade dos pacientes que dependem desse tipo de medicamento. É o que alerta Endy Lacet, que trabalha na Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança, a Abrace.
A associação auxilia desde 2014 pacientes a obterem seus medicamentos derivados da maconha de forma legal. Hoje, segundo Endy, são cerca de 1.200 pacientes atendidos pela associação em todo o país.
“Quando nós falamos de tratamentos através do uso de canabinóides, estamos falando de um tratamento completamente diferente do tradicional. Não é uma dosagem ou posologia fixas. Nós não vamos conseguir fazer aquela conta de miligramagem por peso e dar um a receitinha. Não é uma receita de bolo. Cada paciente reage de uma forma, tem um metabolismo diferente".
A integradora científica da instituição vê como muito importante a proposta de consulta pública feita pela Anvisa, com o objetivo de estimular o debate sobre o tema. Acontece que, segundo Endy, o modelo de consulta ainda não é o ideal.
Isso porque, as duas propostas trazidas na consulta pública podem restringir o modelo de aplicação dos medicamentos.
Uma das propostas trata dos requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta por empresas farmacêuticas, única e exclusivamente para fins medicinais e científicos. A outra traz os procedimentos para o registro e monitoramento de medicamentos produzidos à base de Cannabis, seus derivados e análogos sintéticos.
"Vou te dar um exemplo, eu tenho pacientes infantis com uma determinada patologia e adultos com a mesma patologia. A diferença de dose pode variar bastante. Eu tenho pacientes adultos que tomam 5 gotas e dá certo, surtem efeitos. Eu tenho paciente criança que precisam de 20 gotas para dar certo, obter uma resposta. Então depende muito do metabolismo e da patologia do paciente. Entende?”, explica Endy Lacet.
Considerado uma das prioridades da Agência, por estar na Agenda Regulatória até o ano que vem, o assunto não é unanimidade no meio médico. Em nota conjunta, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria se posicionaram contra a decisão.
Eles alegam que a iniciativa da Anvisa não leva em conta as evidências científicas de que o uso in natura da planta e dos derivados não têm efetividade nem segurança garantida para os pacientes.
Para rebater o posicionamento das entidades, a Anvisa destacou que o objetivo é atender a demanda de pacientes e médicos que têm nos medicamentos à base de Cannabis a única ou última alternativa para o tratamento de alguma doença.
Quem também se posicionou com restrições à decisão foi o Governo Federal. Em contato com o jornal “Folha de S. Paulo”, a Casa Civil se disse a favor da importação da planta para a produção de medicamentos, mas contrária ao plantio no Brasil.
Atualmente a importação dos medicamentos à base de canabidiol já é autorizada pela Anvisa, decisão vigente desde 2015. O atual processo regulatório para criar as regras necessárias para um plantio controlado e monitorado começou em 2017, mesmo ano em que a Agência concedeu ao medicamento Mevatyl o primeiro registro para um medicamento à base de Cannabis no Brasil.
Os interessados em participar da consulta pública sobre a cannabis devem preencher os formulários disponíveis no portal da Anvisa.
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