Servidores são suspeitos de desviar quase R$ 300 mil do SUS em São José da Boa Vista no Paraná — PF mira fraude interna com assinaturas digitais

Operação Ilusão de Ótica revela possível esquema de corrupção em São José da Boa Vista; assinatura eletrônica usada como ferramenta de desvio chama atenção para vulnerabilidade no sistema público

FOTO: DIVULGAÇÃO.

Um alerta emitido pela própria Prefeitura de São José da Boa Vista (PR), em dezembro de 2024, desencadeou uma investigação que, nesta quinta-feira (24), culminou na deflagração da Operação Ilusão de Ótica, da Polícia Federal. O que inicialmente parecia ser uma sofisticada fraude eletrônica contra o município revelou-se um possível esquema interno de desvio de recursos federais da saúde, conduzido por funcionários públicos com acesso privilegiado ao sistema financeiro da administração.

O rombo é de R$ 288.372,12, valor que deveria ser destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de repasses do Ministério da Saúde. Segundo fontes da PF, o desvio ocorreu por meio do uso de assinaturas eletrônicas múltiplas — um mecanismo que deveria garantir segurança, mas que, neste caso, foi a chave para o crime.

Assinaturas pessoais, uso interno e rastros digitais

A investigação aponta que as transferências dos recursos foram realizadas com assinaturas digitais de servidores públicos, que deveriam ser de uso pessoal e intransferível. Os acessos estavam restritos a membros da administração, o que derruba a tese inicial de invasão externa e aponta para uma fraude arquitetada dentro da própria estrutura pública.

Do montante desviado, parte foi transferida para contas de duas empresas, uma sediada em Guarapuava (PR) e outra em Joinville (SC). As movimentações chamam atenção: no mesmo dia em que os valores foram subtraídos, um dos beneficiários agendou dois saques de R$ 100 mil cada.

Mandados, afastamentos e rastros de corrupção

Para aprofundar as apurações, a Polícia Federal cumpriu seis mandados de busca e apreensão nesta manhã. Os alvos foram as Secretarias Municipais de Finanças e de Saúde, residências dos respectivos secretários e endereços vinculados às empresas beneficiadas.

Um dos principais alvos da operação, o Secretário Municipal de Finanças, foi afastado do cargo por ordem da Justiça Federal. Investigadores consideram que o envolvimento de agentes públicos nesse tipo de desvio não apenas fere a confiança da população, mas também compromete a prestação de serviços básicos em uma cidade cuja dependência do SUS é crítica.

Segundo estimativas da PF, o valor desviado representa mais de 10% do total anual recebido pelo município por meio do Fundo Nacional de Saúde. Em municípios de pequeno porte como São José da Boa Vista, qualquer desvio tem potencial para gerar colapsos na atenção básica à saúde.

Sinais de alerta no sistema

A operação levanta uma questão crucial: até que ponto os sistemas de controle interno dos municípios estão preparados para lidar com fraudes silenciosas e sofisticadas como esta? O uso indevido de ferramentas digitais, em tese seguras, escancara falhas de governança e a ausência de mecanismos robustos de auditoria em tempo real.

A Polícia Federal, com apoio do Ministério Público Federal, segue com as diligências para rastrear o destino dos recursos e identificar a cadeia de responsabilidades. O caso pode resultar em responsabilizações nas esferas administrativa, civil e criminal.

Enquanto isso, a população de São José da Boa Vista aguarda respostas — e, principalmente, ações que evitem que a “ilusão de ótica” revelada pela operação se torne uma constante nos bastidores da gestão pública.