Promover o desenvolvimento sustentável no campo é uma das principais questões que movem a pesquisa agropecuária. Para o alcance desse feito, se faz imprescindível aliar tecnologia à mudança de atitude e de pensamento do produtor. A confiança na eficiência das soluções tecnológicas propostas é o diferencial nesse processo.
Foi assim que o projeto Balde Cheio transformou a vida de milhares de produtores no Brasil. Nesse projeto, Embrapa, instituições de assistência técnica e extensão rural (ATER), entidades públicas e privadas e produtores andam lado a lado promovendo ações de capacitação e transferência de tecnologia no campo. São 253 técnicos em treinamento, 417 municípios, 1472 produtores sendo atendidos em 11 estados com apoio de 182 parcerias.
Segundo o chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos/SP), unidade da Embrapa que lidera o projeto, André Luiz Monteiro Novo, a produção de leite média brasileira é de menos de 100 litros por dia. No projeto, mais de 75% dos produtores produzem acima de 200 litros por dia. Um ganho significativo na produtividade e na lucratividade das propriedades participantes.
Iniciado em 1997, o projeto parte de uma metodologia de capacitação continuada, voltada para os técnicos da assistência técnica e extensão rural, que inova na transferência de tecnologia para os produtores de base familiar.
Os técnicos capacitados pela Embrapa repassam os conhecimentos - na forma de serviços, produtos e processos - a pequenos, médios e grandes produtores. Estes passam então a ter técnicos altamente especializados em produção intensiva de leite atuando em suas propriedades para implementação das soluções propostas.
Para Novo, o ganho de produtividade nas propriedades e a significativa melhoria na qualidade de vida dos produtores são resultados perceptíveis entre aqueles que participam do projeto.
Projeto de muitos
Os bons resultados não vêm por acaso, são consequências do empenho de cada ator envolvido nessa iniciativa. Como explica precisamente o produtor Luiz Fernando Ferrari, integrante do projeto desde 2013. "O projeto é como um círculo. Se um elo sai, se quebra".
Médio produtor do município de Potirendaba, interior de São Paulo, Fernando tinha uma produção leiteira que não lhe provia renda para cobrir as despesas familiares. Foi quando viu a propriedade do primo e vizinho crescendo na atividade, de forma sustentável, viável economicamente e com o trabalho apenas de familiares.
Não teve dúvida em procurar o técnico da região para descobrir como tornar aquela mudança possível em sua fazenda também. Foi então que começou a seguir as orientações de Clodoveu Colombo Junior, técnico da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.
O resultado não demorou a chegar, a partir da adoção gradativa de uma série de tecnologias como a melhoria das pastagens, do manejo do rebanho, a troca de animais e, principalmente, organização administrativa com o controle de custos, rendeu a Fernando um crescimento de mais de 200% na produção. De 126 litros/dia no primeiro ano do projeto, o produtor já chegou a tirar 400 litros/dia.
"Antes eu só via a receita com as vendas de animais e comercialização do leite. A partir do momento que eu comecei a fazer a planilha (financeira) tive outra visão do negócio. Aprendi que o preço dos custos é que fazem a diferença", explica com a confiança de quem sabe o que faz.
Hoje, Fernando e a mulher, Dayani Nayara, 31 anos, cuidam sozinhos da fazenda e, além do leite, principal fonte de renda da família, ainda sobra tempo para produção de queijos e pães, que complementam a receita do casal.
Melhorar a autoestima e dar mais dignidade à vida do produtor são objetivos do Balde Cheio. O projeto proporcionou mudanças nesse sentido. Ao tornar o manejo mais eficiente e potencializar os resultados, a iniciativa também foi capaz de trazer mais qualidade de vida aos produtores.
Fernando e Dayani contam que hoje conseguem trabalhar cerca de 8 horas por dia e agora têm tempo para dedicar a atividades de lazer. O primo e vizinho de Fernando, Antonio Márcio Mocci e a esposa Edna Maria Micheleti Mocci, com o maior poder aquisitivo proporcionado com o projeto, viajaram para ver a praia pela primeira vez.
Como grandes produtores da região, Marcio e Edna fizeram parte da unidade piloto do projeto Balde Cheio em Potirendaba, em 2003. Sempre em família, os produtores confiaram nas orientações do assistente técnico Junior e do pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Artur Chinelato de Camargo, líder do projeto na unidade, e implementaram as mudanças na produção leiteira da propriedade.
"A gente não tinha controle nenhum sobre nada. Aí o Junior (técnico) chegou aqui e relatou tudo sobre manejo, que antes eu não sabia. Nunca tinha ordenhado uma vaca pra você ter ideia", relembra Edna que aprendeu "a gostar da coisa" como ela mesmo diz. Com o desenvolvimento das ações do projeto na fazenda, o leite passou a ocupar o posto de principal fonte de renda, substituindo os cultivos de café e laranja.
Há 14 anos integrando o projeto, os produtores lembram que, no início, muita gente duvidou da capacidade de consolidação e bons resultados da produção leiteira. Orientados pelo técnico do Balde Cheio, eles seguiram firme na decisão que, certamente, não trouxe arrependimento.
Atualmente, a propriedade chega a produzir mil litros de leite por dia, sendo referência no projeto. A fazenda recebe visitas de produtores de diversas partes do país interessados em aderir à iniciativa.
Metodologia que respeita diferenças
Responsável pelo acompanhamento dessas e outras famílias da região desde 2000, Junior comemora o crescimento da produção local, com o apoio do projeto e com a força de vontade dos produtores, que acreditaram e fizeram a parte deles nesse processo.
O trabalho diário com as mais diferentes famílias e propriedades exige do técnico que as orientações técnicas, as soluções tecnológicas propostas e até mesmo a forma de lidar com o produtor considerem a realidade de cada um.
A propriedade de Scott Bruno Caldeira é uma das menores nas quais Junior presta assistência pelo Balde Cheio. Em apenas 1,5 hectares, o pequeno produtor não só mantém a produção leiteira, da qual tira sua renda, como mantém culturas das quais retira alimentos. Graças a benfeitorias na propriedade, com base em orientações do projeto. Trabalho que também faz parte dos conhecimentos levados pelo projeto.
Uma nova sala de ordenha, animais de qualidade e sistema de irrigação eficiente fizeram, em dois anos, o produtor alcançar uma produção média de 200 litros/dia. Segundo Junior, se analisarmos o tamanho da propriedade e a produção por hectare, dessas três propriedades, a de Scott é que apresenta maior produtividade. “Isso mostra onde a gente pode chegar se fizermos o trabalho de modo correto”, ressalta.
Segundo André Novo, chefe de TT da Embrapa Pecuária Sudeste, essa organização que começa nas propriedades leva a um desenvolvimento regional consistente.
Em Potirendaba, por exemplo, o crescimento da atividade leiteira levou ao fortalecimento da Associação dos Produtores Rurais de Potirendaba, que tem importante papel hoje compra de leite dos produtores para revenda às indústrias por um preço mais justo.
Novo destaca como a parceria com as instituições de ATER, com prefeituras, governos estaduais, laticínios e associações, também são ações consequentes do projeto que viabilizam mais incentivos para o desenvolvimento da atividade leiteira, fazendo com que os resultados do projeto se estendam além das porteiras das fazendas.
Cristiane Vasconcelos (Mtb 1639/CE)
Secretaria de Comunicação
cristiane.vasconcelos@embrapa.br
Telefone: (61) 3448-2068
Os produtores Luiz Fernando e Dayani. - Foto: Laura Pereira
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